quarta-feira, 7 de julho de 2010

Silêncio


Como eu queria uma noite silenciosa, sem o barulho insuportável dos carros e dos bares, os passos duros das pessoas ou uivo infinito dos cães. Uma noite tranqüila, perfeitamente quieta, sem qualquer musica ou estalar de beijo, da qual escapasse, no máximo, uma lembrança.
Como seria maravilhosa essa noite, na qual ressoasse somente o som de minha própria voz, intimamente. Que não se ouvisse o rumor dos ventos nas plantas, lagrimas arrebentando num quarto soturno de hotel, nem a pungente voz das sirenes; que não ressoasse o canto tristemente concebido no coração dos solitários; que de forma alguma se notasse o vôo cego das palavras dos poetas, as frases avulsas, trêmulas e sem sentido dos bêbados, observando sua desilusão no fundo do copo.
Por que desejo tanto essa quietude?
Porque o silencio é suspense, eterna esperança, desejo irrefreável de que algo surja de repente para surpreender-nos. Não é propriamente o silencio que me agrada, mas o que o arrebenta inesperadamente. Espero que do silêncio venha o rumor confortante das águas do rio, uma gargalhada de criança, o grito abrangente do vendedor de pipocas, as palavras sinceramente românticas de um casal, sentados juntinhos, de mãos entrelaçadas, apreciando a indefinível sensação do contato.
Que desse silencio numa noite de trevas irrompa uma musica qualquer, um palavrão de um mendigo indignado, cansado de procurar o sentido da vida nos montes de lixo e jamais encontra-lo. Que retumbasse, através das janelas, as amargas súplicas dos pobres, as despretensiosas preces dos oprimidos.
Interrompendo suavemente o silêncio que reinava, os astros sussurrariam algo assim como um conselho, como um perdão, algo que persuadisse o mundo de que a vida vale todo sofrimento.
Os ventos, nessa noite, passariam calmamente, envolvendo os corpos flagelados de prostitutas de coxas morenas e lábios excessivamente grossos, totalmente bêbadas, em bares sórdidos, acariciando uns vagabundos fortes, em cujos braços procuram dar a elas, prostitutas cor da noite, “um momento de eternidade”, como diria Bandeira.
E que, finalmente, quando a cortina velha da noite fosse dando lugar ao manto imensamente colorido do crepúsculo, eu, que redescobriria o mundo em cada som que nascesse do silêncio, me lembraria de certa mulher, em cujos lábios queimo de desejo, e sentiria uma ternura imensa, como se eu envolvesse todo o mundo, com seus animais, suas mortes, suas palavras, suas ditaduras, num longo sorriso.
Ah, meus amigos, como eu queria uma noite silenciosa...
Paulo Aquino é jornalista e escritor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário